Incapacidade de dialogar nos mantém num eterno jardim da infância
ABAIXA O SOM, grita, em garrafais, a pichação na frente da academia. Alguém munido de uma lata de spray, talvez cansado das aulas de spinning com bate-estaca poperô – alguém ainda fala poperô? –, resolveu deixar um recado mal-educado no muro do estabelecimento.
Sobre a justeza da reclamação só podemos conjecturar. Idem em relação ao processo que a precedeu: teria o pichador acionado, antes, a prefeitura? A polícia? Mais simples ainda: teria proposto um papinho do tipo vem cá, meu querido, ao proprietário do estabelecimento? Ou, ao contrário, apelou para o vandalismo como primeira opção, tal qual estivesse em um mural virtual?
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Sim, pois a falta de civilidade não está confinada às telas dos celulares. Explode aqui e ali em manifestações cada vez mais truculentas, testemunhas de uma falta de paciência e de uma degradação na empatia que parece não conhecer borda inferior. A impressão que dá é que está todo mundo "por aqui", para usar a expressão de Bolsonaro em relação ao economista Joaquim Levy, que ao ser esculachado em praça pública não teve outra alternativa a não ser pedir para sair da presidência do BNDES. Há coerência no recrudescimento: como esperar delicadeza e escuta na sociedade se o espetáculo promovido pelos ocupantes do poder é o da opressão mais vulgar?
Estudiosa da nova direita, a professora Esther Solano relata o testemunho de mulheres que dizem ter mais medo de ser agredidas porque seus maridos estavam mais violentos desde a candidatura de Bolsonaro. Seria um exagero estabelecer uma relação determinista. Mas seria igualmente ingênuo pensar que a ética da arminha não joga gasolina na fogueira de um país historicamente violento.
Diante de um conflito, temos falhado em buscar soluções assertivas. Agimos por um instinto que indica duas opções igualmente ruins frente a um impasse: fight/flight, como resume o binômio em língua inglesa. Ou respondemos a agressão na mesma moeda (luta) ou nos submetemos a ela (fuga), num automatismo sem meio-termo.
Há uma terceira opção bastante em voga. Atende pelo nome chique de "judicialização da vida" ou pela imagem patética de um jardim da infância. Prefiro a segunda comparação: incapazes de resolver seus problemas entre si, adultos cada vez mais recorrem a uma autoridade externa que solucione o impasse. Como na cena das criancinhas que choramingam à professora, não falta nem mesmo o "foi ele que começou" – argumento que, supostamente, teria o dom de anular os efeitos maléficos da vingança. Dá para ver essa lógica operando no caso da pichação da academia, por exemplo. Tenho o direito de vandalizar porque alguém pôs o som no talo antes.
Entre a vida numa creche, a lei da selva e o império da tirania costuma-se apresentar uma saída mágica: o diálogo. Acerta-se no conteúdo, mas erra-se na forma. O diálogo está longe de ser uma atividade intuitiva, de pessoas irmanadas, braços dados em um só coração.
Muito mais que uma varinha de condão, o diálogo é competência que se aprende ao longo da vida. Tem regras, um conjunto de saberes para ser postos em prática (procure, por exemplo, por "comunicação não violenta") – e nenhuma garantia de sucesso. Ainda assim, é nossa melhor opção de construção de uma sociedade com reconhecimento mútuo, em que não se precise retrucar sempre um tom acima, viver sob o jugo do medo ou chamar alguém com porrete para arbitrar.
Temos um longo caminho pela frente. Seria um alento se, ao menos, não estivéssemos andando para trás.
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