Você já abraçou um pedinte? No metrô, alguém abraçou e mudou o dia
Anunciou um nome tão comum quanto a história que viria a seguir. Ainda nas credenciais costumeiras de apresentação – desculpe incomodar a viagem, venho de longe, vivo um drama assim-assado que me leva a pedir esmola no metrô –, José da Silva travou. Começou a chorar. Naquela tarde de sexta-feira na Linha Vermelha, a anestesia do transporte público paulistano estaria temporariamente perturbada pela convulsão emocional de um homem que não aguentava mais.
A crise se aprofunda e o transporte sobre trilhos em São Paulo vira um mercadão de tristezas. Tudo barato e ruim: fones a 10 reais, pen-drive pirata a 20, amendoim um é 2, três é 5. Há também os Josés que nada vendem, só pedem. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) registra aumento no comércio ambulante em vagões desde 2014. A bem da verdade, o feirão nunca deixou de existir nos ramais periféricos. Chegou, recentemente, às higienizadas linhas do metrô.
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Faz-se de tudo para espantar vendedores e pedintes: alertas na TV dos vagões, anúncios sonoros, ameaças dos seguranças. Em vão. Se o estoque grande denuncia a atividade, vendem-se diminutas capinhas plásticas para documentos. Se a trilha sonora inibe a propaganda vocal, deixa-se o lamurioso bilhetinho. E assim a criatividade vai driblando a repressão. Suspeito que se conta, ainda, com alguma vista grossa. Dia desses presenciei um rico feirão na gourmetizada Linha Amarela. Os seguranças marombeiros também têm coração.
Saídas? Somos 13,6 milhões de desempregados, 4,6 milhões em desalento (a desistência de procurar trabalho), 7 milhões de subocupados (que trabalham menos do que gostariam). Tudo somado, um em cada quatro brasileiros com idade para trabalhar estão fora do mercado. Muitos perderam tudo. Na cidade de São Paulo, o último Censo da População de Rua, de 2015, apodreceu de velho. De quatro anos para cá, estima-se que o número de pessoas dormindo ao relento saltou de 15 mil para 20 mil na capital paulista.
Talvez José pensasse nisso quando chorou. Ou simplesmente estivesse cansado da invisibilidade. Se a sociedade fosse uma pessoa, seria alguém lamentável. Ao ver um pedinte no metrô, rola os olhos, finge não ouvir, se afunda no celular, vez por outra responde com alguma grosseria. A esmola não resolve, não mesmo. Se bem que um simples "hoje eu não posso" indica reconhecimento. Algum dinheiro mostra que fomos tocados por aquele sofrimento. Mas quem pode recriminar a indiferença? No Brasil de hoje, uma dose diária de insensibilidade parece indispensável para não afundarmos na miséria que literalmente esbarra em nós.
Mas a sociedade não é uma pessoa, são muitas. E se alguém sozinho não pode tudo, pode alguma coisa. No vagão de metrô, o choro de José é amparado por uma moça não muito jovem nem muito velha. De pé no vagão, ela o abraça. Ele retribui.
Abrem espaço para que ele se sente. No apressado intervalo entre a República e a Barra Funda, ele conta sua história: vem de Alagoas, desempregado, sem contato com a família, passa o dia pedindo em trens e metrôs.
Algumas pessoas, não todas, prestam atenção. Outras, não todas, abrem as carteiras e vão entregando moedas e notas miúdas às mãos que se enchem rapidamente. José não se comove. Tem mais vergonha do que satisfação.
Chega o terminal e a pequena multidão se despede. O abraço não adiantou nada e mudou tudo.
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