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Em Desconstrução

Como é mágico (e difícil) fazer um bebê dormir nos seus braços

Rodrigo Ratier

10/05/2019 04h00

(Crédito: Armin Hanisch/Freeimages)

"Tudo que um recém-nascido mais quer ao chegar ao mundo", escreve Laurence Pernoud, francesa autora de clássicos manuais de maternidade/paternidade, "são braços que o embalem". Diz a autora que essa necessidade de conexão precede até mesmo a necessidade de alimento, um traço que o ser humano tem em comum com outros primatas.

Concordo. Há poucas coisas mais comoventes na vida do que fazer uma criança dormir nos braços. Pai de duas, tive a chance de ninar Luiza até quando ela e meu corpo suportamos. Agora é a vez de Clara. Elas são tão diferentes, mas na hora do acalanto, a sensação é a mesma. O olhar atento e fixo vai pouco a pouco se transformando com piscadas mais e mais prolongadas. Vem então um grande suspiro, como se dissesse: estou bem, agora vou relaxar. E a expressão serena capaz de desaparecer com qualquer problema, de lembrar que apesar de tudo estamos bem, e que as coisas, de uma forma ou de outra, vão se resolver.

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Nem sempre o cenário é assim idílico. O prazer de ninar tem muito a ver com o relógio. Se você está há mais de meia hora fracassando em fazer o sono chegar, a magia evapora. Também não há santo que se deleite em mandar um nana-neném às quatro da manhã. É igualmente complicado, ainda, retomar a operação incontáveis vezes, porque o pequeno ou pequena começa a chorar no picolésimo de segundo seguinte a ser deixado no berço. A impressão é de estar lidando com uma explosivo prestes a detonar — fica aí minha sugestão de política pública, um treinamento simples e barato para nossos esquadrões antibomba.

Embalar uma criança é uma das maravilhas da vida. Soube disso desde o primeiro dia com Luiza e fiquei chateado quando tivemos de recorrer a uma "encantadora do sono" para a Clara. O planejamento — bem feito, por sinal — incluía uma dose de estímulo-resposta com aquelas táticas de deixar a criança chorando por um tempinho sem pegá-la no colo. A especialista nos contou que muitas mães/pais desistiam justamente por não conseguirem abandonar o hábito de ninar os filhos. Para nossa sorte, Clara entendeu rápido que conseguia dormir sozinha quando necessário. Pudemos, então, retomar o nosso ritual.

A cada vez que consigo fazer minha filha dormir, não consigo acreditar. Mergulhando na pieguice, acho que estou testemunhando um milagre. Uma pessoa — duas, na verdade — confiando em mim a ponto de se desligarem do mundo. Como se sentem assim, seguras, a ponto de se entregarem? A gente veste o manto de adulto de referência, de pai/mãe responsável, mas no fundo somos uma tremenda confusão. Eu, pelo menos, sou. Se elas soubessem…

Depois penso que é isso mesmo, que somos todos uma coisa assim meio mal-ajambrada e que, no fundo, as pequenas sabem, aceitam nossas imperfeições, medos e hesitações. Talvez estar ali seja suficiente e o segredo seja esse mesmo: presença, olho no olho, pele com pele, sem distrações nem pressa. Contemplando esse mistério que é ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da atenção plena, tentando desvendar os pensamentos de alguém que ainda não consegue verbalizá-los inteiramente para então perceber que os pensamentos não importam, o que importa é aquele momento. Provavelmente o momento de maior conexão que jamais teremos com outra pessoa.

E tudo passa tão rápido! Luiza já tem 4 e sabe dormir sozinha. Tenho, com sorte, mais alguns bons meses de Clara em meus braços. É como se diz: que seja eterno enquanto dure (confirmando que estou piegas hoje). E que deixe boas lembranças. Recorrendo à psicanálise, Laurance Pernoud explica lindamente que dormir nos braços é o ponto inicial do amor. É graças a esse apego que a criança, confiante por ser amada, um dia conseguirá se desapegar.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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