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Em Desconstrução

Como presidente, Temer foi um vice decorativo

Rodrigo Ratier

29/12/2018 00h27

(Crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil)

É uma proeza. Segundo pesquisa DataFolha divulgada na sexta-feira 28 de dezembro, Michel Temer encerra seu mandato como o presidente mais impopular desde a redemocratização. Com apenas 7% de ótimo e bom, o mdbista conseguiu ter aprovação menor do que dois presidentes cassados – Dilma (13%) e Collor (9%). Também ficou atrás de outro campeão de rejeição, José Sarney, que chegou ao fim da linha com 9% de ótimo e bom.

Temer fez por onde. Seu governo nasceu sob a marca da traição. Ao contrário de determinados esquemas de corrupção, a traição é uma coisa muito simples de ser entendida. Num dia uma pessoa de confiança está com você, no outro te apunhala pelas costas. Temer conspirou contra Dilma à luz do dia, trabalhando abertamente por seu impeachment, da afamada carta "confidencial" em que se queixa à petista ser tratado como "vice decorativo" ao áudio também "secreto" em que fala como se o impedimento houvesse sido aprovado – isso seis dias antes da votação. Verba volant, scripta manent.

A pecha colou, e mesmo quem diz que não foi Golpe não tem problemas em admitir que Temer foi golpista. Seguiu adiante, promovendo um cavalo de pau nas políticas públicas da administração anterior. Apenas a mistura de subletramento e má fé, que anda muito na moda, pode considerar sua gestão como "continuidade do PT". Com a caneta presidencial na mão, entregou o programa derrotado nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014.

Tirou direitos via reforma trabalhista, asfixiou saúde e educação com o teto de gastos, reformou o ensino médio por decreto, cortou o diálogo com a sociedade civil e reprimiu violentamente manifestações. Passou o mandato se escondendo do povo. Quando se desentocava, era invariavelmente hostilizado – foi alvo de pedradas e chutes na lataria do carro ao visitar os escombros do prédio que desabou no centro de São Paulo.

Sair candidato à reeleição estava fora de questão – um levantamento da consultoria internacional Eurasia o classificou como o presidente mais rejeitado do planeta. Na disputa, tornou-se um aliado radioativo, escondido até pelo candidato de seu partido, que terminou atrás do folclórico Cabo Daciolo. Na campanha, fez no máximo figuração cômica quando atacou de youtuber em vídeos constrangedores ameaçando Alckmin e Haddad.

Num certo sentido, mesmo sentado na cadeira de presidente, Temer continuou sendo um vice decorativo, atendendo a interesses de outros – aqueles que pudessem dar proteção a ele e a seu grupo. Como sinaliza Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais importantes cientistas políticos brasileiros: "Meliantes sem projeto de futuro, os intrusos no poder afagam os grandes cartéis de interesse, gigantes internacionais que lhes deem cobertura na rede cosmopolita em que são penetras, adotando-lhes as ideias, protegendo-lhes os interesses", diz o trecho de "A Democracia Impedida".

Com o país em crise, Temer buscou proteção no andar de cima, o que explica sua aprovação de inacreditáveis 78% no mercado financeiro. Amparadas na inflação sob controle e na tímida previsão de alta de 1,4% do PIB em 2018, algumas análises benevolentes (aqui e aqui) defendem que Temer realizou uma gestão "necessária", pecando apenas em não ter feito a reforma da previdência, e que agora o país estaria "pronto para crescer".

Seria importante lembrar outras estatísticas: o país segue com 12,2 milhões de desempregados (o recuo de 0,4% em relação ao ano passado se deve ao crescimento do trabalho informal e por conta própria); 2 milhões de brasileiros desceram abaixo da linha de pobreza e 1,7 milhão, da extrema pobreza; a desigualdade parou de cair em 2016 e o Brasil passou a ser o 9º país mais desigual do mundo. Serão estes ou os números do parágrafo anterior os que mais impactam a vida de quem precisa realmente do governo?

A verdade é nem Temer nem o MDB tiveram ideologia ou plano para o Brasil. A mesma pessoa que formava chapa com Dilma Rousseff diz ter "absoluta convicção" de que Bolsonaro fará um excelente governo. Sobretudo depois do grampo da JBS, que paralisou um governo já manco pela falta de legitimidade, o que Temer fez – e volta a fazer agora, com o elogio desmedido ao capitão reformado – é farejar de onde vem o poder e tentar se agarrar a ele, em nome da sobrevivência, sem nunca de fato exercê-lo em plenitude. Em entrevista à revista Época, o futuro ex-presidente declarou que, ao deixar o Planalto, não vai sentir falta de nada. Será a mesma sensação da maior parte da população brasileira.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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