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Em Desconstrução

Militarização da vida é a solução preguiçosa para decidir nosso destino

Rodrigo Ratier

17/09/2018 04h00


Crédito: Valerie Like/Freeimages

Não são apenas os clamores pelo fantasma de uma "intervenção militar constitucional" (uma invenção de WhatsApp que, como diria Padre Quevedo, no ecziste) ou sugestões abertas de golpe. Pedidos por uma certa "militarização da vida" são um dos fatos novos desta eleição. Há um número recorde de candidatos das Forças Armadas, PM e Corpo de Bombeiros. A defesa de ampliação da rede de colégios militares também faz sucesso. Até agora, a proposta tem sido debatida do ponto de vista dos custos. Essas escolas seriam viáveis economicamente? Pouco se discute o mérito da ideia: afinal, por que mesmo estamos querendo isso?

"Precisamos de disciplina e respeito à ordem", seria uma resposta quase automática – e compreensível, em tempos de degradação da segurança pública. Leis e normas são necessárias a uma sociedade funcional. Há, porém, diversas formas de fazer com que sejam cumpridas. E aí podemos discutir as alternativas que estão à mão.

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A que está em alta consiste em submeter coletivos à autoridade de alguém – geralmente, homem e branco, um "profissional da violência", nas palavras do general Mourão, vice Bolsonaro. As regras passam a ser cumpridas por força de hierarquia e pela ameaça de punição. Bateu, levou.

Com essa lógica, estimulamos o desenvolvimento de um tipo específico de moral, a heterônoma. Ela é típica do cumprimento das determinações pela imposição de um juiz externo. Seu instrumento é o medo de alguma penalidade – como quando pisamos fundo no acelerador e só acionamos o freio na hora em surge um radar na estrada.

Há outro caminho para uma relação mais madura com as regras, quando elas passam a ser obedecidas não por temor, mas por convicção. Fico abaixo do limite de velocidade porque entendo o sentido da restrição: preservar minha vida e a de outras pessoas. Esse tipo de atitude é resultado da evolução de um segundo tipo de moral, a autônoma. Compreendemos as regras e as aceitamos como justas e necessárias.

O pormenor nada menor é que o incentivo à moral autônoma dá um trabalhão. Discutir normas e decidir quais delas são legítimas (há um gigantesco entulho de "faça/não faça" que precisa ser depurado) exige um esforço que, no fim das contas, não tem fim. Leis precisam acompanhar o desenvolvimento social e, portanto, podem ser reinterpretadas, suprimidas, abrandadas ou reforçadas.

Cansativo? Sem dúvida. Não é simples a dinâmica do debate coletivo, que solicita de nós tolerância para saber perder, generosidade para acolher os vencidos e inteligência para argumentar com base em evidências. Mas não seria isso a vida? O sociólogo Norbert Elias (1897-1990) dizia que a civilização é um processo progressivo de autocontenção – a passagem da resolução de conflitos da força bruta pela discussão (às vezes acalorada) de ideias.

Não se trata, é claro, de uma evolução linear. A História documenta incontáveis transferências de poder (voluntárias ou não) a indivíduos ou grupos que arbitrem os problemas sob a ameaça do tacape, faca, baioneta ou revólver. A eleição de 2018 nos coloca novamente diante desse falso caminho fácil para governar nosso destino.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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