Quer revolucionar a educação? Elimine as catracas
O ano era 2013 e eu realizava um sonho da juventude. Desembarquei na Noruega para um período de seis semanas estudando e conhecendo o país. Desde a faculdade eu nutria uma curiosidade fascinada pelos países nórdicos. Em textos das Ciências Sociais, o modelo de bem-estar aparecia como o mais próximo que a humanidade havia chegado na conjugação de igualdade e liberdade. Tentei por cinco anos seguidos uma bolsa num curso de verão na Universidade de Oslo. Depois de quatro negativas, era a hora de conferir se os escandinavos eram aquilo tudo mesmo.
Eram. São. Pode-se argumentar que é fácil construir uma nação próspera e justa com apenas 5 milhões de habitantes, sentado num manancial de petróleo. Isso é verdade, mas não garante o milagre. Outros países têm condição parecida e não dão o salto. Acho que os noruegueses tem algumas características que explicam porque estão onde estão.
A simplicidade é um desses traços. Casas, ruas e prédios públicos são espartanos, funcionais, mas sem frivolidades. Estações de metrô, por exemplo, são compostas de plataforma de concreto, às vezes descobertas, e só. Nada que lembre a ostentação em mármore e LCD de tantas paradas do subterrâneo paulistano. Cada um com suas prioridades.
E há a imagem que ilustra este texto. As estações não têm catracas, cancelas, barreiras, correntes, cordinhas. Você encosta o bilhete e passa. Pode passar sem encostar, também, e ficar sujeito à multa se algum fiscal te abordar no vagão. Em 45 dias por lá, não vi nenhum. Mas eles existem.
A ausência de catracas inverte a lógica no acesso ao transporte. Parte-se da premissa que a pessoa vai pagar em vez de passar batido. Elege-se a honestidade como o comportamento padrão em vez da falcatrua. Acredita na boa fé em vez de lançar um olhar de desconfiança. O oposto do que fazemos por aqui.
Também muda radicalmente a responsabilidade do controle de infrações. Num mundo com roletas, são os vigilantes e os obstáculos físicos que tentam garantir o cumprimento da lei. No universo sem bloqueios, o poder de quebrar as regras é do indivíduo. Respeitar ou romper os limites deixa de ser uma decisão moral baseada na ameaça externa de punição para se tornar uma questão de foro íntimo. Em resumo, os noruegueses confiam nas pessoas.
Essa passagem da heteronomia para a autonomia pode ter vários nomes. Um deles é educação. Às vezes, penso que a maior revolução educacional que poderíamos provocar no Brasil seria abolir as catracas do transporte público. Pagamento obrigatório, mas com decisão na mão do usuário.
Se quisermos radicalizar, poderíamos prescindir de fiscais. O aparente convite à impunidade esconde uma tomada de decisão mais complexa. Descumprir normas tem sempre um preço – não é fácil, por exemplo, se sujeitar a um esculacho público ou a outras formas de sanção social. A multidão também seria convidada a se autorregular. O que fazer diante de alguém sem dinheiro para a passagem? Ou em relação a um pacto do tipo "ninguém paga"? Os recursos são finitos e as pessoas precisariam refletir o quanto a contribuição individual seria importante para a manutenção do sistema.
Perderíamos dinheiro? Provavelmente. Sempre haverá quem burle o sistema, e mesmo descontando o que se economizaria com o fim da fiscalização, acho que a conta não fecha. Mas, já que torramos grana em tanta bobagem sem sentido, esse potencial desperdício ao menos teria premissas nobres (voto de confiança nas pessoas), racionalização de recursos (a necessidade de vigilância é antieconômica) e incentivo a mudanças atitudinais permanentes (solidariedade, ética, educação). Ingenuidade? Talvez. Loucura? Acho que não, e me inspiro na seguinte história verídica que testemunhei uns meses atrás:
Um ônibus subia a avenida Sumaré, em São Paulo, quando o motor quebrou no meio da rampa. Todos descem, chega um novo veículo e o cobrador informa: "quem já passou a catraca pode entrar por trás". Ninguém estava fiscalizando.
Todo mundo que não havia pago a passagem, pagou.
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