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Em Desconstrução

Deveríamos ter um salário máximo no Brasil?

Rodrigo Ratier

02/07/2018 17h50

(Crédito: Weliton Slima/Freeimages)

A notícia é um escândalo, mas passou despercebida. Talvez por causa da Copa, talvez por nossa indiferença crônica, um mecanismo de autodefesa para não se desesperar com cada novo absurdo que aparece – uma estratégia inevitável, pois somos pródigos em bizarrices. Enfim: na semana passada, a Comissão de Valores Mobiliários determinou a divulgação do salário dos executivos de algumas das maiores empresas do Brasil. O presidente do Itaú embolsa R$ 3,4 milhões a cada 30 dias. O do Santander, R$ 2,4 milhões. O da Vale fica com R$ 1,5 milhão e o do Bradesco, modesto, leva R$ 1,4 milhão por mês. Tadinho.

Faça as contas. Compare com seu holerite. Ou, então, com o salário mínimo de 954 reais. O contracheque do manda-chuva do Itaú é 3.500 vezes maior que o de quem recebe o piso. Duas considerações. A primeira: com o dinheiro pago a uma única pessoa seria possível sustentar mais de 3 mil. A segunda: no terreno da meritocracia "pura e dura", que tipo de formação, de competência, de entrega de resultados faz um ser humano ser 3.500 vezes mais merecedor do que outro? Veja que não estamos falando de empresários que juntam fortuna comprando o risco de criar uma empresa e fazê-la crescer, mas de executivos que já pegaram o bonde andando – muitas vezes, com tudo nos trilhos…

As percepções sobre riqueza e pobreza no Brasil são distorcidas. O Datafolha revelou que metade dos brasileiros pensam que, para estar entre os 10% mais ricos, é preciso ter uma renda mensal superior a R$ 20 mil. Enganam-se. Para ocupar essa faixa, basta ganhar um pouco mais de 3 salários mínimos.

Estamos, portanto, num país pobre. E, se a desigualdade já é lamentável em qualquer parte, num lugar em que as carências são tão evidentes é justo perguntar: qual o tamanho da disparidade que estamos dispostos a tolerar?

Nas eleições presidenciais francesas do ano passado, o candidato de esquerda Jean-Luc Mélechon trouxe a ideia de instaurar uma espécie de "salário máximo". Pela proposta, a fatia que ultrapassasse 20 vezes a renda média – no caso francês, rendimentos mensais superiores a 33 mil euros – estaria sujeita a um imposto de 100%. Na prática, a intenção era criar um teto. Se a mesma regra fosse aplicada no Brasil, o limite seria R$ 42 mil.

Muita gente pode achar a proposta radical. Eu acho radical viver com menos de R$ 954 por mês, como faz metade da nossa população – para o Dieese, o salário mínimo necessário seria de R$ 3,7 mil. Estamos falhando em pautar o óbvio: arrecadar mais de quem ganha mais. Por enquanto, o sistema tributário estilo queijo suíço permite isenções fiscais de até 70% na renda dos super-ricos (pessoas com rendimentos mensais acima de R$ 80 mil). As resistências, em parte justificadas, dizem respeito ao mau uso dos impostos por parte dos gestores públicos. Trata-se, porém, de uma questão de princípios: se o governo gasta mal, melhore-se o governo. Mas preferimos insistir numa regra injusta…

Devemos chegar ao ponto de pensar em um salário máximo? Particularmente, acho que o teto do funcionalismo público (R$ 33 mil) seria um bom limite. Alguém precisa de mais do que isso para sustentar uma família com bastante conforto? De todo modo, seria um início começar a discutir caminhos para reduzir a obscena diferença entre o menor e o maior salário do país. Quem sabe depois da Copa, quem sabe quando a gente acordar.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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