Tive um mês de licença-paternidade. Eis o que aprendi
Clara está deitada no leito 2 do ambulatório da Apae, em São Paulo. É muita cama para pouca criança. Ela tem 11 dias, três quilos e ocupa modestos 49 centímetros de um acolchoado azul. Está ali para refazer o teste do pezinho, que daquela vez exigiria tirar sangue da veia.
Deu tudo certo, índices normais. Mas, na hora, fiquei devastado. Ninguém gosta de ver um pedacinho de gente chorar de dor, ainda mais quando você chama esse pedacinho de filha. Terminado o exame, lamento a situação com minha esposa, que parecia bem menos impressionada:
– Não sei se você se lembra, mas a Luiza também refez esse teste –, respondeu Marina (Luiza é nossa filha mais velha).
– Sério?
– Ué, claro.
– Por acaso eu estava num universo paralelo?
– Não. Trabalhando.
Ahhhh, verdade. Quando Luiza nasceu, tive os 5 dias que a CLT garante como mínimo para a licença-paternidade. Com a Clara, meus empregadores me deram 30 dias. E esse tempo me fez ver bastante coisa que eu não enxergava na relação homem-mulher-crianças.
Falar de gênero sendo homem, branco, hétero e classe média é uma baita temeridade. O risco de dizer bobagem por naturalizar algum privilégio é de 100%. Abraço a imprudência para dizer que esses 30 dias de (aspas) "folga" mudaram minha autoimagem como pai.
Sempre me achei um cara participativo, colaborativo, carinhoso. Comparando com a média dos pais, acho que não faço feio. Mas convenhamos que o nível é baixo. Se fosse um campeonato de respeito, tipo uma Premier League, eu estaria rondando a zona de rebaixamento, talvez torcendo por um tapetão.
A experiência de viver com uma recém-nascida durante muitas horas em seu primeiro mês me ajudou a ver isso. Tinha para mim que a Clara era um bebê irritadiço, dificílimo de dormir, refluxos mil e tals. O oposto da Luiza, que era uma tranquilidade. Disse isso à Marina, que respondeu quase indiferente:
— Nada. São iguaizinhas.
Certo de novo. Eu simplesmente não estava lá. Trabalhava das nove da manhã às oito da noite e chegava com a nenê já grogue de tanto leite. Também era poupado de acordar à noite. Afinal, eu tinha uma luta inglória na manhã seguinte: a busca diária pelo vil metal.
Essa falsa distinção entre aspirações elevadas (trabalho) e tarefas miúdas (cuidar de casa e das crianças) caiu por terra. O valor do tempo de cada um não pode, ou não deveria, ser hierarquizado pela suposta nobreza ou dificuldade da atividade. Aliás, se fosse esse o critério, criar um bebê é muito mais nobre e difícil que qualquer emprego. Tanto que senti alívio quando acabou a (qual o máximo de aspas para uma palavra?) """mordomia""" e voltei à labuta.
A sociedade vem evoluindo nessa repartição de tarefas. O avanço vem em doses homeopáticas – por reforma, não por revolução. Aqui em casa tem sido assim. Agora, nossa carga de trabalho é mais parecida (34 horas eu, 30 horas ela), sou o principal responsável pela Luiza e me encarrego da mamadeira no fim da madrugada.
Veja bem: eu disse que estamos mais parecidos, mas pelo parágrafo aí de cima dá para sacar que não somos iguais. Ainda tenho esses e outros privilégios de que, confesso, gostosamente usufruo. Ou omito, rogando aos céus que a Marina ainda não tenha se dado conta deles. Homens e mulheres já partem de lugares diferentes e o impacto desigual de uma gravidez amplia ainda mais essa distância. Já viu o que acontece com os salários de mães e de pais após o nascimento de um filho? (Para quem ficar com preguiça de entrar no link, mães: despencam. Pais: nada).
Pois é. No fim das contas, uma divisão justa, 50%-50%, exigiria algo como seis meses num resort all-inclusive em Maragogi para toda mulher que der à luz. Deus me livre das mordidas na amamentação. Me deem um sossega-leão que só me desperte no jogo de abertura da Copa da Rússia. E as dores do parto, então? Quero um troço na veia que… onde é mesmo a Copa de 2022?
P.S.: Se algo mudar segundos depois de a Marina ler este texto, posso mantê-los informados. A revolução não será televisionada, mas talvez vire post de blog.
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