Fui um ótimo pai. Até ter filhos
Leio numa revista que os pediatras franceses têm um conselho para regular a relação das crianças com a tecnologia. É a regra 3-6-9-12. Televisão, só depois dos 3 anos. Nada de videogame antes dos 6. Internet, então, só a partir dos nove. E acompanhado. Navegar sozinho, apenas com 12 anos. São precauções, dizem, para respeitar o desenvolvimento psicológico dos pequenos.
Parece sensato. Decido que vale a pena tentar.
– Papai.
– Fala, meu amor.
– Me dá minha televisãozinha?
É assim que ela chama nosso tablet. Não quero dar, mas também não quero parecer autoritário. Sou um pai moderno! Ensaio uma negativa baseada em evidências. Que, como sabemos, é a forma mais eficaz de convencer uma criança de três anos.
– Filha, melhor não. Você acabou de assistir uma hora de "Peppa".
– Mas eu tô com saudade da televisãozinha! Uéé…
Antes de ela completar uma longuíssima sequência de ééééééééééés, destravo o aparelho, acesso a assinatura do Playkids e pronto. Não é o ideal, mas ninguém vai morrer por causa disso, penso – pela trigésima vez no dia. E olha que são onze da manhã…
Num certo sentido, ser pai ou mãe é estar eternamente preso num meme "expectativa versus realidade". A gente discursa, se prepara, sonha em ser forte. Um transatlântico da paternidade! Seguro, firme, divertido e cheio de recursos para qualquer situação. No fim, nos contentamos em ser um barquinho que carrega uma carga de amor e culpa, ginga diante das tormentas e, com sorte, não deixa ninguém cair no oceano.
Mas tem coisas de que tento não abrir mão. Atitudes que, para mim, são a base da educação com os pequenos. O diálogo, por exemplo. Considero a principal ferramenta pra resolver conflitos e confusões.
– Pa-paaaaai.
– Um minutinho, filha, estou falando aqui com o pessoal.
Plaft.
– Luiza! Quantas vezes preciso dizer que não pode bater no papai? Já para o quarto, vai pensar no que você fez!
Castigos. Não devíamos, mas ainda apelamos a eles (tomei a liberdade de te incluir no problema, espero que não se ofenda com a primeira do plural). Outro dia perguntei na creche se eles recorriam a esse artifício em casos extremos de manha e/ou violência infantil. A professora me olhou como se um fosse um monstro do pântano, ficou horrorizada e respondeu que nunca, jamais, o que eu estava pensando, aquilo era uma escola cons-tru-ti-vis-ta.
Depois foi amolecendo, talvez ao perceber que eu não tinha uma fração do arsenal didático de que ela dispõe (ela é mesmo muito boa). Disse para eu não me preocupar, e me consolou com uma frase que levo hoje como mantra: todo mundo é um excelente pai ou mãe. Até ter filhos.
Sabias palavras. Uma das poucas certezas que temos ao criar uma criança é que vamos cometer erros. Entre sonho, discurso e prática existem universos de distância. Um caminho racional para encurtá-los é primeiro estabelecer desejos atingíveis, e depois tentar manter a coerência entre o que se diz e o que se faz. Falando nisso, hora de tirar a Luiza do castigo.
– Pode sair, filha. Pensou no que você fez? (frase automática que a gente usa rezando para que uma punição meio sem sentido tenha um mágico efeito pedagógico).
– Sim. (resposta automática, que eles não são bobos). O que você tá comendo?
Três horas de silêncio.
– Batata frita –, sussurro, na esperança de que, sei lá, ela não escute, desapareça, esqueça o que viu.
– Eu quero.
Duas eras glaciais de intervalo.
– Toma –, respondo, entregando-lhe um punhado de gordura trans. Me dou por satisfeito de o refrigerante ter passado despercebido. Vocês estão servidos?
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