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Protestos ocorrem porque MEC virou ministério da guerra

Rodrigo Ratier

13/08/2019 15h12

(Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

O Brasil tem 48 milhões de estudantes, mais de 2 milhões de professores e 200 mil gestores escolares. Sem essas pessoas, não existe educação. Ainda assim, o ministro Abraham Weintraub considera possível gerir o MEC chamando sistematicamente essa multidão para o confronto. Os protestos de hoje — terceira onda de um movimento surgido há apenas quatro meses — têm a ver com a postura de guerra adotada pela pasta desde abril.

O bestiário se avoluma: numa só tacada, Weintraub ofendeu professores e estudantes ao criticar a "balbúrdia" universitária; perseguiu reitora cuja instituição teve a luz cortada; fez conta (errada) com chocolatinhos para explicar contingenciamento (até agora, corte) de verbas no ensino superior; estrelou striptease para mostrar ferimentos que justificariam notas baixas na graduação; confundiu Kafka com kafta; zombou de parlamentares durante sabatina; divulgou telefone de deputada opositora, que passou a sofrer ataques de bolsonaristas; disse que a avaliação de alfabetização custaria R$ 500 mil quando o correto seria R$ 500 milhões; questionou a autonomia universitária prevista na Constituição; pediu para alunos gravarem professores supostamente doutrinadores; ordenou a edição de seu perfil na Wikipedia — negado, pediu sua exclusão; chamou mural de Paulo Freire de "feio de doer" e sugeriu sua retirada; num campo ultrapolarizado, fez piada com a apreensão de cocaína em avião presidencial ao comparar o peso da droga com o de ex-presidentes; fez Gene Kelly se revirar no túmulo com paródia canhestra de Cantando na Chuva.

Tudo isso vindo de um ministro que assumiu com a proposta de "acalmar os ânimos".

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No plano administrativo, sua gestão tem sido marcada por cortes e pouca transparência. O talho mais midiático, no ensino superior, tem dimensão desconhecida: o MEC fala em 30% das despesas discricionárias, mas há instituições reclamando de uma tungada de 54%. O ProUni integral e presencial diminuiu, bolsas de pesquisa na pós-graduação foram cortadas ou não renovadas. A promessa de que a educação básica não seria afetada pelo aperto revelou-se mentirosa: livros didáticos perderam R$ 348 milhões; a construção de creches foi asfixiada; o fomento ao ensino integral e à alfabetização pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) teve até julho investimento total de zero reais. Por outro lado, a pasta foi generosa ao ceder R$ 1 bilhão ao esforço de incentivar deputados a votarem "sim" para a reforma da previdência.

Propostas? Concretamente, apenas duas. Na educação básica, a oferta de militarizar cerca de 100 escolas. No ensino superior, o Future-se, projeto que modifica o financiamento de instituições federais de ensino superior e que vem sendo encarado pela comunidade universitária como vago e pouco transparente, ampliador de desigualdades, estratégia privatista, aposta em recursos incertos e sem liquidez. Um diagnóstico duríssimo, mas daria para esperar outra classificação de um documento redigido a portas fechadas, de costas para reitores, associações de classe, estudantis e de pesquisa, sindicatos e outros agentes do campo educacional?

Enquanto isso, dormitam em alguma gaveta políticas mais ambiciosas e construídas coletivamente, como o Plano Nacional da Educação. Ficam em segundo, terceiro ou quarto plano o combate ao analfabetismo, à evasão escolar e à distorção idade-série, a expansão da educação infantil e do ensino superior público, a discussão sobre os currículos de licenciaturas e da pedagogia, o aprimoramento da inclusão de crianças e jovens com deficiência, os programas de formação continuada de professores e a valorização do magistério via plano de carreira e recuperação salarial.

A combinação de ofensa, bolso vazio e falta de diálogo não poderia dar em outra coisa: rechaço maciço às propostas do MEC. Entre os elementos que compõem o processo pedagógico — alunos, professores e os objetos de ensino –, o ministro realizou a proeza de brigar com todos, inclusive com os inanimados: para aplacar a obsessão do clã Bolsonaro com uma suposta esquerdização do ensino, validou o trabalho de uma comissão que expurgou questões do Enem com pretenso "direcionamento ideológico". 

A repetição dos protestos reforça a suspeita de que a gestão Weintraub, intencionalmente ou não, conduz a educação para uma situação do tipo "beco sem saída". Sem horizonte para bandeira branca na Esplanada dos Ministérios, os sinais são de que a guerra está apenas começando.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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