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Nossos amigos da 8ª série no Facebook querem matar pessoas: e agora?

Rodrigo Ratier

12/09/2018 04h00

Crédito: Martin Walls/Freeimages

 

Querido amigo,

Como vai? Faz um tempão que não nos vemos. Estudamos juntos da 1ª à 8ª série e depois não nos cruzamos mais. Já não somos mais garotos, eu chutaria que lá se vão uns 20 anos sem nos vermos. Uma vida nos separa! Guardo de você uma imagem bacana. Um cara animado e sorridente, algo ingênuo e muito querido por todos. Um menino doce, como dizia uma de nossas professoras. O adjetivo era exato. E merecido.

Dizer que não te vejo não é exatamente verdade. Te acompanho pelas redes sociais. O algoritmo do Facebook não nos põe frente a frente. Mas sou curioso – stalker, para ser honesto. De tempos em tempos, vasculho seu perfil.

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Uma vida nos separa mesmo, mano.

Você publica muito. Dezenas de vezes por dia. Se eu não te conhecesse, diria que é um robô. Mas você é real. Você gosta de compartilhar histórias. Tem predileção por memes com montagens, textos que mostram só um lado, vídeos com pessoas muito exaltadas falando de um futuro tenebroso se uma certa ameaça não for contida. Você é de poucas palavras. Mas, nas mensagens lacônicas dos compartilhamentos, deixa claro seu alvo: "esquerdopatas", "petralhas", "comunistas bolivarianos". Essa "raça", segundo você, "tem problema mental ou faz parte da quadrilha". Um povinho que "tem de ser esculachado mesmo, atacado, porque é a pior escória que existe neste país."

Fico pensando o que aconteceu com o garoto doce da 8ª série. Muitas vezes tive vontade de te escrever, mas acabo desistindo. Sempre penso que não vale a pena. Você está tão confiante de suas verdades, tão cheio de certezas… Vou dizer o quê – e para quê? Mas percebi que não é só isso, mano. Existe uma razão mais profunda.

Eu tenho medo de você.

Tenho medo de que você olhe para mim e enxergue em meu rosto essa entidade demoníaca que você deseja exterminar. O "esquerdopata", o "petralha", o "comunista vermelho". Nunca fui filiado a partido, votei em muitas siglas além das temidas duas letras que você esconjura, não sofro de moléstias ligadas à lateralidade e gosto de muitas cores – as do arco-íris, por exemplo. O que me toca é desigualdade em todas as suas formas e minhas opções políticas vão no sentido de combatê-las. Se você quiser me colocar numa caixinha, ok, pode pôr na da esquerda. Mas mesmo que eu fosse tudo isso que você teme: você acha que não tenho o direito de existir?

Você postou o vídeo de seu candidato sugerindo "fuzilar a petralhada". Compartilhou com um largo kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Imagino sua gargalhada generosa em frente ao computador se transformando nesses vinte e oito kás. Você papagueou o presidente do seu partido dizendo que "agora é guerra", defendendo que violência se combate com mais violência. Divulgou montagens com agressões "dos vermelhos" para justificar que existe ignorância de ambas as partes – o que é verdade. Mas acreditou, ou fingiu acreditar, na falsa equivalência entre os lados. Apenas um deles defende o extermínio político e físico dos adversários.

Sinto dizer, mas é o seu lado.

Você se revoltou – com absoluta razão – com a injustificável violência da facada. Também fiquei chocado. As evidências disponíveis apontam para a ação de uma mente perturbada, mas quem descarta que o clima polarizado não tenha potencializado alguma tendência para a ação? Óbvio dos óbvios: a vida humana vale muito. Desejo que seu candidato fique bom logo.

Confesso que dizer isso não é natural para mim. Não sou hipócrita, mano. Tenho ódio dentro de mim. Na minha opinião, seu mito representa o lado mais triste de nossa sociedade, a contramão na luta por uma sociedade pacífica, civilizada, diversa e inclusiva. Mas tenho feito um esforço de separar as ideias da pessoa. Às vezes dá certo. Isso me ajuda a desejar, de coração, pronta recuperação até de quem mais me desafia. E, ao mesmo tempo, combater suas propostas, que julgo totalmente equivocadas.

Será que você pode fazer o mesmo com aqueles cujas ideias você odeia? Será capaz de fazer isso comigo? Espero que sim. Torço para que a doçura seja mais forte que o veneno e que, num futuro não muito distante, você reconheça em mim o amigo que nunca deixei de ser.

Um abraço do seu colega da 8ª série.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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