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Folia tem hora para acabar: um carnaval sem-graça pode ser a graça da vida

Rodrigo Ratier

06/03/2019 11h20

(Crédito: Pixabay)

Para quem é mãe ou pai e casado, e pretende permanecer nessa condição por mais algum tempo, a vida é um pouquinho sem-graça. Com isso não quero dizer que seja chata – talvez seja tudo menos isso. Mas carente de emoções, isso, sim.

As máximas alterações de sentimentos que se pode experimentar são uma ida ao pronto-socorro com a filha ardendo em febre, a entrada de um novo restaurante no radar do delivery por assinatura ou a nova temporada de uma série querida – no meu caso, a comemoração (para você ver a quantas anda a minha vida) é a estreia dos episódios de 2018 de Peppa no Discovery Kids. Achei fraquinhos, a despeito das gargalhadas de Luiza, 4.

Eventos como o carnaval exacerbam essa falta de comoção. A festa dos excessos é um perigo para pais, mães e casados. Não vai aqui nenhum tipo de moralismo – penso em termos energéticos mesmo. Depois de algumas noites na farra (ou dias na farra, como é mais comum atualmente), é preciso se entregar a algum tipo de repouso restaurador.

Mas é um tanto difícil ir dormir às 2 da manhã e acordar de ressaca quatro horas depois com gritos da prole que exige sua presença para brincar. Para os pequenos, não existe cinzas. Como diz toda reportagem de carnaval da Globo, a folia não tem hora para terminar.

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Recorrendo à surrada referência da mitologia grega, meu carnaval paterno foi mais apolíneo que dionisíaco, mais razão do que loucura e caos. Não foi exatamente uma fuga do carnaval (o que, aliás, dependendo de qual for o plano, dá mais trabalho do que curtir os festejos). O pensamento no day after e uma leve sinusite impediram uma participação mais efetiva em bloquinhos, mas estivemos lá. Houve cervejas, mas não muitas. Marchinhas, algumas. Bocas beijadas, uma. A mesma há quase 15 anos. Um carnaval light ou um quase não carnaval?

Há aspectos a comemorar. O fato de estar pleno numa quarta-feira, isento de ressaca física ou moral; ter escapado da zumbilândia em que se transformam determinados blocos na dispersão; não ter batido cabeça com informações desencontradas sobre horários dos cortejos; fugido dos perrengues de brigas e estações fechadas etc.

Mas há também o que pensar. Desse carnaval não terei nenhuma história memorável para contar. Nenhuma grande paixão, uma fantasia incrível, um grito de ordem ou uma música inesquecível. Nada que, a princípio, vá passar no nos melhores momentos do filme da vida quando tudo terminar.

Ou não? Talvez meu director's cut inclua as brincadeiras com as minhas filhas, a graça de ver a menorzinha tentando se comunicar com um vocabulário restrito a cinco palavras (mamãe, papai, vovó, auau, mais), um poke clássico encomendado a dois, o adormecer antes das dez da noite acompanhando o desfile lamentável da Império Serrano. Haveria espaço para esse tipo de coisa nos grandes takes da existência?

Pode ser a velhice chegando, mas cada vez mais acho que sim.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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