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Sugestão ao Facebook: botão Glória Pires de "não sou capaz de opinar"

Rodrigo Ratier

01/09/2018 04h00

Montagem: Rodrigo Ratier

(Atualizado em 2 de setembro de 2018 com a data correta da participação de Glória Pires no Oscar: 2016, e não 2017, como estava na versão original.)

A história é conhecida. Virou meme e esculacho a participação da atriz Glória Pires na transmissão do Oscar em 2016. Convocada a comentar sobre as escolhas da academia, Glória se equilibrou em falas lacônicas. Na hora de proferir veredito sobre o melhor filme, proferiu a declaração lapidar: "Não sou capaz de opinar".

Acho uma frase genial e necessária. Digo isso sem um pinguinho de ironia. Juro. Tanto que gostaria de sugerir ao Facebook a instalação do "botão Glória Pires". Ao lado dos ícones de "curti", "amei" "haha", "uau", "triste" e "grr", eu acrescentaria a carinha desse ícone da televisão brasileira.

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Já fiz até a arte. Pode pegar aí em cima. Um botão de "não sei" seria um grande serviço à humanidade.

Que ímpeto irrefreável é esse de dar palpite em tudo? Quando foi que nos tornamos especialistas em economia, política, sociologia, filosofia, gramática, TV, rádio, internet, relacionamentos, gênero, celebridades, educação, paternidade, raça/etnia, direito, aviação, construção civil, defesa dos animais, culinária, medicina, nutrição, obstetrícia, arquitetura, gestão urbana e mobilidade? O que achamos sobre as coisas é sempre tão importante assim?

Em seus posts no Facebook, a ativista Djamila Ribeiro fala do militante ISO 9001, aquele ser com selo de qualidade comportamental, modelo de postura e sempre pronto a entrar em qualquer briga na internet para alfinetar quem não segue a cartilha. Há muitos por aí, de todos os matizes ideológicos, que precisam emitir um juízo de valor sobre tudo o que passa em sua timeline, dizendo como deveríamos agir, grudando rótulos nos divergentes.

Todo mundo tem direito a uma opinião, claro. A questão é saber o significa ter uma opinião. Para mim, é algo muito diferente de sair papagaiando bordões, xingamentos, neologismos. Ou, ainda pior, notícias falsas e teorias da conspiração. Recupero um trecho de "Educação pelo Argumento", livro de Gustavo Bernardo que vejo como referência sobre o processo de construção de pontos de vista:

"É muito difícil 'ter uma opinião'. Na maior parte das vezes, enuncia-se uma coletânea contraditória e descosturada de opiniões emprestadas do cotidiano e dos media. Opiniões são raras, logo, precisam ser construídas com muito cuidado e muito trabalho."

A que trabalho se refere Bernardo?

Ter uma opinião significa estar guiado não por uma verdade definitiva e indiscutível, mas por um entendimento provisório, a que se pode aderir com diferentes graus de intensidade e que deve ser posto à prova para continuar válido. Ou seja: é preciso comparar a opinião constantemente com a realidade (os fatos, sempre eles) e com outras hipóteses para checar se nossas ideias seguem parando de pé.

Em vez de revelar fragilidade, saber que a opinião é uma certeza precária nos confere força. Se não tenho certeza de nada, investigo com rigor minhas dúvidas. Uma dose de ceticismo estimula o raciocínio. Mas vivemos um tempo em que o pensamento dá espaço à ação irrefletida, as perguntas são trocadas por insultos e os argumentos por memes lacradores.

O uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer à força. Faz sentido que as opiniões dignas do nome estejam tão em baixa enquanto as demandas por "bate, prende, arrebenta e mata" são cada vez mais numerosas. Apostar na troca de ideias é uma opção ética e civilizacional.

Recusar o debate instruído é o contrário disso. O resultado é a cansativa gritaria das redes sociais. Tem muita gente jogando a toalha e simplesmente abandonando a arena. Lamento – a internet pode ser um lugar incrível para trocar ideias –, mas entendo. Não se trata de ficar quieto sempre, mas de escolher melhor as batalhas, levando em conta a inquietude que o assunto nos traz e nosso conhecimento sobre ele. "Prefiro não falar do que não estou a par", justificou a atriz global. Tem meu apoio. Com um pequeno exame de consciência, vamos perceber que o mundo ganha se cada um de nós fizer a Glória Pires de vez em quando.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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