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O STF virou assunto de padaria. E isso é um mau sinal

Rodrigo Ratier

26/04/2018 17h23

Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

 

Na padaria, um casal discute sobre a decisão do STF de retirar das mãos de Sérgio Moro as delações sobre o sítio atribuído a Lula. O taxista ensaia uma explicação sobre a legitimidade de um habeas corpus para o ex-presidente. No almoço de domingo, o assunto é delação premiada, condução coercitiva e outras estratégias da Lava Jato. E no grupo de amigos de infância no WhatsApp sobra confusão quando o tema é eleições 2018.

Os debates políticos, enfim, viraram conversa popular. Isso é bom ou ruim?

Venho de uma trajetória na comunicação comunitária, então meu primeiro instinto é saudar a novidade com entusiasmo. É ótimo que todo mundo esteja falando sobre – ham, ham, vou até limpar a garganta – "assuntos sérios". Numa galáxia não muito distante, num tempo igualmente não tão apartado, uma queixa recorrente era a "alienação" das pessoas. Em tese, isso mudou. Não deixa de ser positivo notar que, entre um meme de gato e uma curtida na selfie em frente ao espelho, apareçam temas que têm a ver com a coletividade e o futuro.

Mas o otimismo se desmancha num olhar mais próximo. O nível da troca de ideias é de doer. Dói tanto que muitas vezes é uma imprecisão chamar o que ocorre de "troca" ou de "ideias". Em vez de discussões conceituais, predominam ofensas e desqualificações pessoais. No lugar de ideias, o que se escuta são colagens de slogans vazios, demonização dos adversários e recauchutagem de rótulos. É o apogeu da cultura do lacre, em que o objetivo é disparar uma frase de efeito capaz de calar o interlocutor. Aquela coisa bem 5ª série, quando um aluno fala uma grosseria ao professor somente para o deleite da classe, que grita "iééééééééé!" como que exigindo um revide um tom acima.

Mais preocupante ainda é ver que mesmo espaços teoricamente técnicos e reflexivos se apresentam contaminados por esse rebaixamento de qualidade. Veja o STF. A briga entre Gilmar "pessoa horrível, mistura do mal com atraso" Mendes e Luiz Roberto "feche o seu escritório de advocacia" Barroso é um bom exemplo disso. "Iééééééé!".

Vivemos um momento em que uma deliberação no órgão máximo do Judiciário brasileiro virou um novelão mexicano. Infelizmente, é uma versão vulgar do debate das "grandes questões" o que se encontra nas padarias, e não uma discussão minimamente produtiva. Como chegamos a isso?

Dois palpites.

Uma explicação passa pelo espírito do tempo – o clima intelectual e cultural de uma determinada época. A nossa é a pós-verdade, expressão que designa um contexto em que a emoção importa mais do que a razão. Os fatos objetivos (as "verdades") perdem espaço para as crenças pessoais e os argumentos que as confirmem. Como bem ilustra uma charge conhecida, na pós-verdade sai o "penso, logo existo" e entra o "acredito, logo estou certo" (e, por consequência, o opositor – que desejo trucidar, eliminar – está completamente equivocado, não importa o que digam).

Outro quinhão cabe à sociedade do espetáculo – a noção de que as relações sociais são crescentemente mediadas pelas imagens. Como nosso contato com o mundo se dá cada vez mais por meio de telas (da TV, do computador e do celular), expressar-se na linguagem desses meios se tornou um requisito básico para ser ouvido e exercer influência. Na selva midiática em que cada segundo é precioso na busca por atenção, a mensagem se estereotipada, visual e apressada. E não só no Insta da galera da academia ou no Zap da família. Por ser predominante, essa forma de comunicar realimenta o debate nas altas esferas, gerando como efeito a já citada vulgarização das discussões.

O resultado é um esvaziamento da ideia de opinião pública – a reflexão em espaço público sobre um tema polêmico de interesse coletivo, calcada na razão, manifestação por excelência do direito da liberdade de expressão. No reality show da vida moderna, o objetivo é gerar uma meia dúzia de expressões que possam ser editadas com "oclinhos opressores". Situação paradoxal: a sociedade está mais politizada, mas não necessariamente sabendo mais sobre política. Está se comunicando mais, mas não necessariamente discutindo melhor. Quero ter cuidado aqui: democratizar as possibilidades de expressão é uma enorme conquista de nosso tempo. Mas enquanto operarmos na lógica do entretenimento, com argumentos pobres, polarização exacerbada e discursos cheios de lugares-comuns, estaremos no máximo gerando boas conversas de padaria. Serão poucos os debates de verdade.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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