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Sete dias de roubadas num resort

Rodrigo Ratier

23/04/2018 04h00

Dia 1 – Família de 17 pessoas aterrissa em voo fretado para temporada de uma semana num resort. Termina em ofensa a discussão no transfer por causa do único quarto deluxe da reserva (que é igual ao standard com uma cadeira). O check in demora duas horas e quarenta e sete minutos. Overbooking. Três pessoas são transferidas para hotel vizinho onde, segundo o TripAdvisor, curtains smell like urine. Mulher recusa a troca. Princípio de barraco. Tudo acaba com welcome drink cortesia de catuaba, degustado de canudinho e foto no Instagram #partiuférias #paraíso #my life #amooooo. Comemoração com o cardápio do almoço. O prato do dia é feijoada com carnes separadas.

Dia 2 – O prédio principal do resort é o mesmo de quando o lugar chamava apenas "hotel" sem a demão de tinta bege, o retrofit na fachada, as TVs de LCD e o ar condicionado split. O quarto apresenta os seguintes problemas: infestação por formigas, chuveiro sem água quente e lâmpadas queimadas no banheiro. No pergolado, monitor da equipe de lazer circula com Big Coke cheia de feijões. Pergunta "Quantos grãos?" e anuncia: quem chegar mais próximo ganha viseira em EVA personalizada. Se acertar na mosca leva também CD do Marcos e Belutti. Dois integrantes do grupo são picados por insetos exóticos. O médico de plantão recomenda procurar um médico.

Dia 3 – O parque aquático é o epicentro das atenções. Faz um calor desesperador mas todas as piscinas são aquecidas. O vapor d'água embaça os óculos de adultos que riem enquanto tomam cerveja em temperatura ambiente. Na piscina infantil, de águas naturalmente mais quentes e turvas, crianças fazem fila para escorregar pela língua de um ornitorrinco gigante de fibra de vidro. Uma menina abre o supercílio no toboágua. "Região muito vascularizada", anuncia o salva-vidas em meio ao sangue. Começa a aula de hidroginástica. Senhoras obesas de maiôs comportados rebolam gostosamente ao som de "Promiscuous", de Nelly Furtado feat. Timbaland.

Dia 4 – O complexo tem seis restaurantes. Na metade da estadia já é de amplo conhecimento que todos servem o mesmo cardápio com nome diferente. Uma baixela com uma montanha de bacon é onipresente nas três refeições, em todas as opções gastronômicas. Um senhor idoso está postado diante da suqueira com um líquido de cor ocre. Não compreendendo a lógica do sirva-se-e-saia, admira a gosma espessa enquanto espreme os olhos para ler a informação. "O que é detox?", indaga a um interlocutor imaginário. A garota de fone na fila bufa. Esposa pergunta ao marido porque a atendente do bar molhado está no WhatsApp dele. Ela chora, as crianças choram, ele apaga o contato enquanto sorve lentamente uma batida de jabuticaba. À noite, na tenda da floresta, o projeto teatro do vazio apresenta monólogo com ex-BBB 11.

Dia 5 – 80% das crianças estão com virose. As outras estão terceirizadas no espaço kids com a equipe de recreação. Chove, e aos adultos só resta dar um passeio no centrinho. É uma cidade desimportante, sem muitos atrativos. O destino incontornável é a feirinha de artesanato local. A filha compra um tererê multicolorido, o filho faz um tribal de hena no bíceps incipiente, a mulher se encanta com um sapinho de durepox. Não se sabe de quem foi a ideia, mas todos embarcam a contragosto no passeio de charrete. À noite, bingo, a única palavra da língua portuguesa e de vários outros idiomas capaz de fazer centenas de idosos gritarem "merda!" ao mesmo tempo.

Dia 6 – Véspera da despedida, dia especial: 24 horas de comida all inclusive. Opções: batata frita, coxinha e barqueta de maionese. Adicional de bacon à parte. Come-se como se não houvesse amanhã. Um atendente sopra no ouvido do tio que ele está proibido de retornar à sauna úmida. Houve denúncias, segundo a gerência. A diversão noturna é na boate com um odor secular de mofo e Marlboro. Durante o videokê, o animador pede por gentileza não cantar "primeiro a patroa, depois a empregada" durante a execução de "Pintura Íntima". O ambiente é familiar.

Dia 7 – Check out. Confrontados com extensa lista de despesas em Ciroc e pornografia on demand, trio de adolescentes toma a atitude mais sensata: chora. O patriarca reúne o grupo no salão do lobby. Estão felizes – e isso inclui os dois participantes por Skype, que falam direto da Santa Casa local onde convalescem de endemias tropicais não inteiramente diagnosticadas. Foto da família no Face e a legenda: MELHORES FÉRIAS DA VIDAAAAAA. Todos se despedem com lembretes mútuos para depositar a mensalidade do time share. Ano que vem tem mais.

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Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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