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Em Desconstrução

Como vencer a violência na política com criatividade e humor

Rodrigo Ratier

30/03/2018 13h21

 

No fim de semana passado, estive em Chapecó, Santa Catarina, para acompanhar a passagem da caravana de Lula. Voltei antes da hora, triste e chocado. Se escrevesse que o oeste catarinense se transformou num faroeste, não estaria longe da verdade. A história já é conhecida: clima de aberta hostilidade, com manifestantes de extrema-direita atacando militantes petistas com ovos, paus, chicotes, pedras – e tiros, como se viu no episódio dos ônibus alvejados no interior do Paraná. A resposta dos alvos, ainda que em compreensível autodefesa, também incluía violência. Vi medo, pânico e gente ferida. Acho que não exagero se disser que a ausência de um cadáver só pode ser creditada à sorte.

A viagem de Lula pelo Sul do país nos mostra que uma parte de nossa sociedade deixou a civilização para mergulhar no abismo sem fim da barbárie. A queda não se fez sem escalas. Primeiro, ultrapassamos o desejo de eliminação do adversário pela verbalização desse desejo – redes sociais são a evidência dessa passagem desde pelo menos a eleição de 2014. Agora, saltamos da verbalização da violência (no plano do discurso, portanto simbólico) para a violência real da aniquilação do opositor. Não há comparação entre ambas. Trouxemos na bagagem da descida brusca um arsenal de maldades que nunca deixaram de existir, mas que viveram à sombra e que, justamente por isso, pareciam ter ficado no passado. Racismo. Xenofobia. Preconceito de genêro e de classe. A intolerância, enfim, em sua infinita diversidade.

Qualquer sociedade que se pretenda civilizada precisa condenar firmemente a violência. Não há desculpa, não há "colheu o que plantou" que justifique um atentado à vida humana. Também acho – e sei que isso é mais polêmico – que devemos buscar formas não violentas de reagir.

O ponto é: somos mais inteligentes que os brutamontes. Precisamos pôr a cabeça para funcionar. Há uma rica história de caminhos não-violentos para vencer a truculência, das dezessete greves de fome celebrizadas por Gandhi entre 1913 e 1948 aos cravos que calaram as espingardas da ditadura portuguesa em 1974.

Também encontramos exemplos dando um salto no tempo para os dias atuais. O movimento de combate à chamada alt-right ou direita alternativa (pessoas com ideologias de extrema-direita que rejeitam o conservadorismo tradicional) se utiliza, por exemplo, da exposição pública dos manifestantes violentos. Algo na linha do meme "eu vou expor ela na internet". Mostrar os rostos dos agressores cobra um preço junto a famílias e empregadores. Os intolerantes precisam se responsabilizar por suas opiniões e ações e saber que elas têm consequências.

O humor é outra saída. Um sujeito teve uma ideia preciosa durante uma passeata da Ku Klux Klan nos Estados Unidos. Armado de uma tuba, provavelmente o mais hilário dos instrumentos musicais, ele acompanhou a parada dos brutamontes enfezados tocando temas de filmes e desenhos animados. Um vídeo mostra o efeito cômico e desmoralizante de ver supremacistas brancos marchando ao som da trilha que anuncia os Stormtroopers em Star Wars.

São também geniais ações que consigam gerar a chamada "tela azul", ou seja, dar uma bugada no sistema operacional dos truculentos. Os moradores de uma cidadezinha alemã chamada Wunsiedel estavam cansados de ver neonazistas por lá. Todo ano, eles organizavam uma peregrinação até o túmulo de Rudolf Hess, braço direito de Adolf Hitler. A sacada engenhosa foi inverter o sinal da manifestação. Numa ação chamada "Nazistas contra nazistas", voluntários concordaram em doar 10 euros para cada metro que os extremistas andassem. O destino da grana – saldo final: 10 mil euros! – era justamente um fundo de combate ao neonazismo.

Reconheço que tudo isso soa utópico. Em situações-limite, contra-atacar é a única saída para sobreviver. Enfrentar a violência de peito aberto exige destemor e, convenhamos, uma dose de irresponsabilidade. Não custa sonhar e, quem sabe, concretizar por aqui alguns desses e outros devaneios pacifistas.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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