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Professoras tentam acalmar alunos perto de Brumadinho: "A lama vai chegar?"

Rodrigo Ratier

14/02/2019 15h55

O Velho Chico em Três Marias, numa foto de 17 de janeiro (Crédito: Rodrigo Ratier)

"Tia", piscou a mensagem no celular de Edna Pinheiro, "você viu a barragem de Brumadinho? Mais de 100 mortos. Será que a água vai vir para cá? Disseram que já está chegando em Três Marias".

A professora da rede municipal tentou acalmar a aluna do 8º ano. "Procurei mostrar que estávamos a 370 quilômetros do acidente, uma distância considerável", recorda Edna. "Mas não descartei a possibilidade porque ainda não sabíamos da proporção do desastre".

Nos primeiros dias após a tragédia, uma mistura de incerteza e medo dominou as conversas na cidade de 31 mil habitantes na região central de Minas Gerais. Situada à beira de uma enorme represa de 1040 km2 – três vezes o tamanho de Belo Horizonte –, Três Marias é o local onde rio Paraopeba deságua no São Francisco. Se os rejeitos da barragem do Córrego do Feijão chegarem ao Velho Chico, Três Marias e seu lago serão os primeiros lugares a sofrer as consequências.

 

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Hoje, a hipótese parece remota. Até agora, a lama viajou uma distância considerável pelo Paraopeba, cerca de 120 quilômetros. Mas ainda está longe de Três Marias. Segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), a sujeira deve se acomodar no leito do Paraopeba. A expectativa é que a represa de Retiro de Baixo, localizada entre os municípios de Curvelo e Pompéu, possa barrar a lama tóxica, salvando, assim o Velho Chico.

A perspectiva inicial era bem diferente. "Chegou-se a especular que a lama estaria dentro da represa 48 horas após o rompimento", diz Roberto Carlos Rodrigues, secretário de Turismo e Meio Ambiente de Três Marias. Houve princípio de pânico. A população começou a armazenar água, zerando o estoque de caixas das lojas da cidade. O turismo à beira da represa sofreu com cancelamentos, situação que, segundo Roberto, já foi revertida. "Estamos com boa ocupação para o carnaval", afirma.

Apesar da perspectiva de alívio, a cidade segue desconfiada. "O medo mais constante é sobre o que não é visível: o risco de contaminação da água por metais pesados", afirma Edna. Por enquanto, o Igam proibiu o consumo bruto da água do Paraopeba, mas em Três Marias a captação está liberada. "As análises diárias de turbidez e presença de ferro, manganês, zinco, cobalto, mercúrio e chumbo mostram que a represa está dentro dos padrões de normalidade", afirma o secretário Roberto.

"Aqui temos o costume de beber a água direto da torneira. O líquido da represa é de ótima qualidade", afirma Alzeni Pinheiro de Souza, também educadora da rede municipal, como a irmã Edna. Assim como a captação de água, também segue normal o consumo da pesca do rio, observados os limites da piracema (o período de desova dos peixes). Na verdade, se a água chegar ao Velho Chico, o lago de Três Marias é a melhor chance do rio superar o desastre. Por conta do grande volume represado, a sujeira se dilui, a qualidade da água melhora e a chance de contaminação da vida na represa – a bacia é lar de 68 espécies de peixe, como surubim, dourado e corimba – diminui.

Mas são poucos os suspiros de alívio. "A gente vai dormir preocupado, porque a represa tem uma importância muito grande para nós", explica Alzeni. "Percebo que os alunos estão apreensivos. A gente tenta não passar o temor, mas no fundo estamos assim também". O próprio secretário Roberto, apesar de otimista, evita cravar que o problema está resolvido. "As coisas não estão tão ruins quanto se projetava, mas só teremos certeza do impacto entre 15 e 20 de fevereiro, quando chegar a pluma d'água de Brumadinho". Até lá, a população que se refugia das temperaturas superiores a 30 oC nas águas da represa vai se banhar com gotas de apreensão.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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