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Em Desconstrução

Nem os antipetistas vão ficar felizes de verdade com a prisão de Lula

Rodrigo Ratier

06/04/2018 00h24

 

Peço licença para tratar de um assunto que não é, necessariamente, o carro-chefe deste blog ainda jovem. A realidade se impõe. Nas últimas semanas, não tenho visto muito sentido em escrever a respeito de paternidade, crianças, amizade, vida urbana. Para mim, é impossível separar a vida pessoal da coletiva. Como falar sobre miudezas cotidianas que são a delícia de estar aqui quando o país parece se desintegrar? Em outras palavras: dá para ser feliz quando muita gente ao seu redor não está?

Acho que a resposta é não. Estou em miniférias fora de época, cortesia de uma demissão inesperada (algum dia falaremos sobre ela), viajando ao lado de gente que dá sentido à minha vida. Concretamente, estou bem, estamos bem. Nas não estou feliz e acho que nenhum de nós está.

Um dado importante: ideologicamente, os adultos do nosso grupo têm posições muito distantes. Estamos em universos opostos na dramática prisão de Lula, ápice, até aqui, da grande confusão em que o Brasil se meteu desde 2013. Tem gente achando um absurdo e tem gente comemorando. Tento pensar no segundo grupo, ao qual não pertenço. Vejo nos antipetistas alguma alegria, mas a impressão é de uma festa meio envergonhada. Há menos fogos, poucas vuvuzelas, comemorações tímidas e sem muito ímpeto. É diferente do impeachment, quando só estávamos divididos e a turma que venceu acreditava que trocando a Dilma começaríamos um mundo novo. Agora, seguimos divididos, mas mesmo os que odeiam Lula estão muito menos otimistas.

Por quê?

Porque o Brasil vai mal, obrigado, e não há evidência razoável de que o encarceramento do ex-presidente vá transformar a realidade imediata. Os anti-Lula sabem disso. Se não sabem, sentem. Há algo de oco e estéril no tal combate à corrupção da maneira como vem sendo feita. Seu resultado lógico é um salto em direção ao nada. Por isso não pode trazer felicidade, ao menos não como estado duradouro.

Estou falando de punitivismo, essa roda simbólica que se alimenta do ódio. Uma roda que, para continuar girando, precisa oferecer sempre novos alvos. Mas o que acontece quando se pega o "chefe do esquema" (tentando pensar com a cabeça de quem apoia essa forma de fazer justiça, que não é a minha)? Leio gente inteligente de verdade dizendo coisas como "falta prender muita gente ainda". Posso concordar. E depois?

A verdade é que não há depois. O discurso moralizador que hoje dá as cartas tem esse problema: desconstrói sem erguer nada no lugar. No fundo, à exceção de um ou outro alucinado, os antipetistas sentem que a prisão de Lula não lhes traz felicidade. Enquanto a lógica for a pura e simples eliminação do inimigo (a fala de Jair Bolsonaro sobre a prisão de Lula é a síntese desse pensamento), nada de bom virá.

Meu palpite é que esquecemos algo fundamental pelo caminho.

Nos faltam as grandes ideias, os projetos criativos. Num registro mais lírico, nos faltam sonhos que nos deem esperança, a crença de que as coisas vão dar certo mesmo quando tudo parece errado. Olhar para a frente com o otimismo possível na adversidade.

Ocorre que estamos em guerra, e numa sociedade em guerra, ninguém sonha. A lógica de defesa-e-ataque é da ordem do aqui e agora. Não há condições de projetar o futuro quando as ameaças são imediatas. Por isso a pré-condição do sonho é guardar as armas.

Não se trata de cessar os conflitos, mas dar a eles algum grau de civilidade e respeito. Se não por ética, pela constatação de que, adaptando o poeta, é impossível ser feliz sozinho. Ou vamos juntos apesar das diferenças, ou não seremos felizes, mesmo que na vida íntima estejamos bem.  Precisamos construir um futuro e isso, penso, se faz com debate de ideias e respeito às diferenças, e não pela aniquilação de um dos polos da disputa. Sem criar condições para que do encontro de contrários surja eventualmente uma síntese melhor e mais poderosa, seguiremos em queda livre no poço sem fundo em que nos enfiamos.

Sobre o autor

Rodrigo Ratier é jornalista, professor universitário, pai de duas, curioso pela vida, entusiasta do contraditório

Sobre o blog

Olhares e provocações sobre a vida cotidiana: família, trabalho, amizade, educação, cultura – e o que vier pela frente

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